quarta-feira, 23 de março de 2011

Predação Insuspeita

         Mariana, uma rapariga de traços cuidados e subtis num rosto claro, envolto em longas voltas de cabelo solto, caminhava num passo elegante, em piso frágil, exibindo sem querer o seu corpo de flor, desenhado por dedos experientes.
Caminhava ao encontro dum convívio repleto de caras conhecidas em casa de Adriana.
Um jantar, regado de boa disposição, com vinho escuro a elaborar a companhia que enchia a mesa, sucedeu, depois de tantos abraços e sorrisos á chegada de Mariana.
Os sorrisos não cessavam enquanto a conversa se desenrolava de forma interminável para satisfação de todas.
Não se juntavam assim havia algum tempo e sabia bem sentir aquele calor envolto em nostalgia.
Falou-se e coscuvilhou-se de tudo... mas riam e sorriam acima de tudo, sabia bem, estavam em família... Tudo era vidro transparente, tudo se partilhava...
Em determinada altura alguém comentou sobre a carne ao avesso, e um novo tema surgiu em torno do copo de vinho quase vazio de Mariana, que o olhava sem saber muito bem como expressar a sua opinião.
No fundo, para Mariana, dois corpos femininos enchiam-lhe a mente de fotografias, pintadas à imaginação, muito sensuais e controversas. Ela não sabia realmente o que achar de uma imagem, que tão confusa e intrigante era para ela.
A maioria de suas amigas não mostravam grande interesse como ela. Algumas até, eram notoriamente repugnadas com tal envolvimento. Contudo para Mariana, dois corpos femininos juntos eram bonitos e provocantes, suavam com deslize diferente e isso mexia com ela... era proibido.
Finalmente decide erguer os olhos do copo, e retornando a enche-lo, declara, enquanto franze o sobrolho e mordisca timidamente o lábio em tom de insegurança corajosa. - Acho que deve ser fixe...
Imediatamente percorre a mesa com o olhar dando uma risadinha amena para suavizar a declaração.
Houve quem anuísse, houve quem ficasse indiferente... mas Adriana ficou centrada em Mariana. Tinha-lhe despertado imensa atenção e desejo aquela confissão tão tremulamente disfarçada, entre o encher do copo e o sorriso desprovido de força.
A conversa prosseguiu como natural a todas elas...
Voltaram as gargalhadas de bochechas rosadas pelos copos pintados a uva, mas Adriana ficou, para fora, mais serena, presa por dentro num espasmo de prazer recluso dos olhos de Mariana.
Aos poucos as horas passaram. Começaram a levantar-se da mesa aos poucos e a passear diversas conversas pelo espaço, a duas ou três, entre um cigarro e a brisa do mar que entrava pela varanda da sala de Adriana.
Esta era uma excelente oportunidade para Adriana se aproximar de Mariana, e assim sucedeu, até que o tempo fugiu sem vergonha e reclamou uma nova manha para todas, que se anunciaria em breve…
Mariana não morava perto, e para evitar problemas de maior Adriana ofereceu-lhe o espaço para partilhar com ela nessa noite
A Mariana aceitou sem problemas, sem desconfiar que Adriana mal continha o beijo preso no seu estômago, nascido, havia já tanto tempo sem que ninguém tivesse dado conta á mesa.
Tudo era maravilhoso para a Mariana e ficar lá em casa dava-lhe agora a sensação de tempos idos, de namorados esquecidos, quando ainda se faziam festas de pijama... era bom e sorria, sentia-se miúda novamente.
O tempo mais uma vez avançou e tudo era ternamente quente, sem estranheza... para Mariana.
Adriana fervilhava sem saber como se manifestar... afinal a amiga nunca tinha sentido outra mulher tão perto respirar em cima de si. Não poderia cometer erros... mas á medida que o tempo passava e a sua vontade apertava, mais incauta e em perigo se punha... valia-lhe que Mariana nem sonhava com o apetite voraz com que era olhada pela amiga.
Não dava mais...
O sono começava a ocupar espaço nos olhos doces e meigos de Mariana, que finalmente, acabou por dar um beijo generoso no rosto da sua amiga, em sinal de agradecimento, e anunciou que se iria deitar naquele instante.
Para Adriana, a sua oportunidade tinha morrido com a chegada daquele sono, inoportunamente impossível de adiar.
Paralisou ali. Recebeu o beijo, e com a língua a arranhar-lhe o céu-da-boca, desejou boa noite à amiga, ficando a vê-la afastar-se da brisa do mar em direcção ás entranhas da casa.
Ficou só, sob a lua desavergonhadamente cheia, arrependida da sua inércia.
Subitamente, ouviu um som na cozinha e lenta e cuidadosamente o procurou, enquanto um arrepio lhe descia pelas costas e entrou na cozinha iluminada pela luz de fora. Estanca á porta, de fôlego preso, quando se depara com Mariana em trajes de verão adormecido, clareada a prata lunar que vinha da rua e que por aqueles corredores fora desmaiava até si.
Com um susto controlado, Mariana soluçou um gole de água que levava á boca, e esboçando um sorriso lindo no seu rosto de porcelana amendoada, dirige-se á amiga com um simples "Tudo bem?!"
Adriana tinha atingido o limite. Era uma questão vital a ser tentada de resolver.
Pasmada e de boca semi-aberta, com incredulidade no que se preparava para fazer, Adriana engoliu em seco enquanto um novo arrepio lhe picava todos os músculos do corpo. De impulso irreflectido, avança num passo de teletransporte como se fosse abalroar a amiga, e aprisionando Mariana contra o frigorifico alto que se encontrava por trás, Adriana deteve-se sentindo o calor do seu corpo em si.
Mariana nunca tinha estado assim presa numa mulher e a sua respiração começou a pesar-lhe toneladas de chumbo.
Para Adriana nada daquilo era novidade e encorajou-se a ser natural, a fazer bem, a fazer bom... e lentamente aproximou o seu rosto do de Mariana, que agora cerrava os olhos num misto de excitação e temor.
A encerrar os olhos, Mariana sentiu as suas pernas tremer como folhas ao vento, com a vontade enervante que aquela proximidade lhe provocava. A respiração já não pesava, mas escorria praticamente morta e sem força para cima de Adriana, que sentia o seu calor bater-lhe com prazer no seu rosto, molhando sem peso os seus lábios. Mariana estava prestes a desmaiar e não se movia com o sofrimento que aquele formigueiro dentro de si, lhe impunha exigindo explodir sem medo.
Num movimento leve e carinhoso, Adriana levantou o rosto da amiga, que sucumbia á gravidade do planeta como se perto da sua última expiração na vida se encontrasse. Sucumbia ao efeito inebriante que se entranhava na pele. Ergueu Mariana roçando de leve o seu nariz no seu rosto, encaixando por baixo do dela expondo os lábios de ambas, de tal forma próximos e ameaçadores que conseguiam sentir o calor que estes emanavam.
Mariana deixou fugir um gemido mudo de exaustão ao sentir a respiração quente e húmida da amiga avançar por si adentro... e com este gemido surdo de Mariana, rebentou-se o beijo lento, que toda a noite tinha levado a criar-se, dentro de Adriana... como um botão de flor a rebentar desesperadamente em direcção ao sol, os lábios incharam de sangue vermelho rubi e tocaram-se molhados com orvalho apaixonado, formado no meio daquele momento ébrio.
Provaram-se e gostaram-se naquele calor de corpos apertados, em beijos lentamente violentos, famintos cuidados, sem fôlego, a noite toda até ao amanhecer....

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